quarta-feira, 16 de junho de 2010

Justiça Guaraní

Ao impedir tradutor para índios durante um julgamento, juíza reacende o debate sobre a liberdade de idiomas no Brasil

Leonardo Fuhrmann


Rito em Mato Grosso do Sul: caso do cacique morto alimentou polêmica depois que Justiça vetou o uso de idioma guarani em juízo

O júri de três acusados de assassinar a pauladas o cacique Marcos Veron, de 72 anos, foi suspenso em 4 de maio. A notícia provocou interesse não só no meio judicial, mas entre os sociolinguistas, em uma discussão que mistura direitos constitucionais, preconceito, respeito às tradições e o direito a comunicar-se em sua própria língua.

Porque a juíza Paula Avelino Mantovani não permitiu que os índios prestassem depoimento em guarani, o procurador da República Vladimir Aras decidiu abandonar o julgamento. Agora, ele garante que vai recorrer, se necessário, até ao Supremo Tribunal Federal (STF), para garantir aos índios o direito de serem ouvidos em seu idioma de origem. Um novo julgamento foi marcado apenas para o ano que vem.

Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde eram funcionários da fazenda Brasília do Sul, em Jutaí, no Mato Grosso do Sul. Na região, são comuns os conflitos agrários entre fazendeiros e índios. Ao lado de Nivaldo Alves Oliveira, que está foragido, os três são acusados de invadir a tribo e atacar os índios na madrugada, entre 12 e 13 de janeiro de 2003. Além do brutal assassinato do cacique Marcos Veron, os homens são acusados de outros seis sequestros, todos também seguidos de tentativas de assassinato.

Transferência
A tensão com os não índios e o forte preconceito contra os índios na região fizeram com que o Ministério Público Federal (MPF) pedisse a transferência da cidade de Dourados.

O pedido foi aceito e o julgamento foi então marcado para São Paulo (SP).

Para garantir que os índios fossem compreendidos ao longo do julgamento, o pesquisador Tonico Benites foi indicado pela Funai e nomeado pela Justiça como intérprete dos indígenas.

Benites é um índio guarani que faz doutorado em antropologia na UFRJ. Mais do que fazer a mera tradução de palavras, o seu trabalho serviria como elo entre culturas distintas e em choque.

Apesar de conviver com não índios há trinta anos, por conta de trabalhos acadêmicos, Tonico Benites diz que a experiência não reduziu seu mal-estar de participar pela primeira vez de um júri.

- Para nós, guaranis, a conversa é um encontro entre duas almas. Se você fala alto, assusta a alma do outro. E no julgamento se grita muito, além de usar-se de um gestual agressivo - afirma Benites.

O cacique Veron morreu aos 72 anos: julgamento só em português
Pensar guarani
O intérprete observa que outras características de um julgamento são incômodas para os índios, como o isolamento e a proibição de que testemunhas e vítimas conversem entre si.

- Para nós, quando falamos de alguém que morreu, a alma da pessoa fica presente no lugar. Por isso, é duro relembrar uma história dessas perante os demais companheiros e a pessoa que foi assassinada - completa o tradutor.

Segundo Benites, a construção do discurso é diferente entre o português e o guarani.

- O não índio fala de uma forma bastante direta. O guarani costuma explicar outras situações e contar histórias mesmo quando vai responder a uma pergunta simples - diferencia ele.

Para o intérprete, os índios já estavam em desvantagem no ambiente judicial e a obrigação de falar em português seria uma derrota ainda maior.
- A sala estava cheia de advogados e fazendeiros e a gente nem sabia quem era advogado e quem era fazendeiro, porque lá eles estavam todos iguais - diz Benites.

A juíza
Para a juíza Paula Avelino Mantovani, um intérprete só deveria ser usado quando uma dada testemunha não compreendesse o que lhe era perguntado ou não conseguisse expressar algum trecho de seu relato em português.

A juíza lembrou que os mesmos índios já haviam sido ouvidos em português em outras fases do processo e criticou o gesto que forçou o adiamento do júri.
"Não cabe aqui a discussão acerca do acerto ou não da decisão proferida. Para isso há os recursos adequados. Lamenta-se, porém, a atitude do Ministério Público de, em absoluta afronta aos princípios democráticos, abandonar o plenário em total desrespeito aos advogados de defesa, aos jurados, aos presentes e à administração da Justiça, mormente em se considerando os vultosos recursos já empregados por esta Justiça para realização do Júri, desaforado da subseção de Dourados", escreveu a juíza.

Retirada
Paula Mantovani remarcou o julgamento, sob a alegação de que a Justiça Federal não tem recursos para bancar, de novo neste ano, o transporte, a hospedagem e a alimentação de réus, vítimas e testemunhas do caso. O júri já havia sido adiado em abril, devido à ausência do advogado de defesa, que alegou problemas de saúde. Desta vez, no entanto, a juíza defendeu que o procurador seja responsabilizado pelos eventuais danos causados ao erário público. Procurada por meio da assessoria de imprensa da Justiça Federal em São Paulo, a juíza não quis dar entrevistas sobre o caso.

O procurador Aras entende que abandonar o júri foi a maneira de garantir aos índios o direito de comunicar-se no julgamento. Ele já recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) contra a decisão da juíza e garante que, se necessário, vai ao Supremo. Segundo o MPF, a Constituição Brasileira e tratados internacionais garantem às etnias minoritárias de um país o direito de usar seu idioma nativo. O procurador lembra que o Estado não pode impor um idioma às minorias, num tipo de comportamento que já fez o Brasil perder parte de sua diversidade cultural. E rebateu o argumento de que as vítimas e testemunhas já haviam sido ouvidas em português em outras fases do processo.

- Não é por que foi feito errado outras vezes que o problema pode repetir-se. É como dizer que, se eu invado a sua casa uma vez, posso invadi-la sempre - compara.

Sociolinguística
O professor José Ribamar Bessa Freire lembra que, mesmo para pessoas com boa formação em português, a linguagem usada nos tribunais pode ser de difícil compreensão, por ser hermética. Freire faz parte do grupo de trabalho de sociolinguística da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll), é consultor do MEC para educação indígena e coordena o programa de estudos dos povos indígenas da Faculdade de Educação da Uerj.

O pesquisador compara o caso aos estrangeiros presos nos aeroportos, que têm o direito de defender-se em sua língua materna, mesmo quando tenham noções de português, obtidas no contato com outros presos.

- Gostaria que a juíza fosse chamada a responder a uma corte internacional e lá a impedissem de defender-se em português. Mesmo com fluência em outros idiomas, vai sentir uma dificuldade semelhante à que está impondo aos guaranis - diz.

Direito guarani
Línguas indígenas já são reconhecidas como cooficiais em países como Peru, Equador e Bolívia. Mas um fosso separa as concepções de Direito das culturas locais. Um juiz argentino, Manoel Moreira, chegou a fazer um estudo sobre a cultura jurídica guarani e mostrou como há diferenças conceituais com o Direito trazido por portugueses e espanhóis.

- Ele cita o caso de uma índia de 40 anos que matou outra, de 15, a facadas. Na Justiça não índia, ela foi condenada. Depois que cumpriu pena, voltou à tribo e foi julgada com base na cultura guarani. Acabou inocentada e o marido, que havia tido um relacionamento com a garota, condenado - exemplifica Freire.

Na sua língua
O linguista explica que o conceito de Justiça dos guaranis está na solução de conflitos e não na punição do causador do dano. Para ele, a imposição do direito alheio já seria em si uma violência e uma arbitrariedade.

- Aceitar que eles se comuniquem em sua língua materna é uma forma de fugir de um julgamento preconceituoso, pois reduz a impotência do índio perante a Justiça e lhe dá confiança. Isso é fundamental para quem está em busca da verdade real - opina Freire.

Ele destaca que, mesmo sem as diferenças culturais que separam índios e não índios, é mais fácil para as pessoas se comunicarem em sua língua materna, na qual pensam
e sonham.

- Poucos alcançam um nível de bilinguismo que lhes dá a capacidade de raciocinar em um segundo idioma, de coordenação. Geralmente, há uma subordinação à língua materna. Mesmo dentro da subordinação, há diferentes graus de biliguismo - afirma.

Por isso, seria necessário um intérprete capaz de conhecer as nuances dos dois idiomas que estão sendo usados. O caso prossegue.

Inscrições abertas: III Encontro Nacional do GT História das Religiões e das Religiosidades (ANPUH)

Caros colegas,

Pedimos a gentileza de divulgarem o III Encontro Nacional do GT História das Religiões e das Religiosidades (ANPUH),
que acontecerá em Florianópolis, na UFSC, de 20 a 22 de outubro de 2010.

O site do evento é:
http://www.gthrr.ufsc.br/

Destacamos que já estão abertas as inscrições para comunicações (10/06/2010 a 10/07/2010) e ouvintes (10/06/2010 a 20/10/2010).

A lista de Simpósios Temáticas está disponível na página do evento e em breve disponibilizaremos as normas para o envio dos trabalhos completos.

Atenciosamente,

Artur Cesar Isaia

VI Colóquio O Prazer do Texto

VI Colóquio O Prazer do Texto

ATIVIDADE DE EXTENSÃO PROMOVIDA PELO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA DA UFBA, COM APOIO DO PRONEX FILOSOFIA E CIÊNCIAS (FAPESB/CNPq)

– 09 a 13 de agosto de 2010, no Auditório do CRH/FFCH, em São Lázaro –

A filosofia guarda uma relação singular com sua história, sempre retornando a seus textos clássicos para afirmar sua identidade e possível sentido. Com efeito, na leitura dos textos filosóficos (e ademais na leitura filosófica de certos textos), constituem-se problemas, vocabulários e mesmo estilos próprios e distintos. Lançamos, assim, com este ciclo de palestras, diversos convites à leitura de textos relevantes para a filosofia. Afinal, bem o sabemos, o prazer de um texto clássico cuidadosamente lido é parte substancial do que, em nosso caso, alimenta e realiza a unidade entre competência profissional e vocação filosófica.

Abertura
(às 10 horas do dia 09/08/2010):

Apresentação do Colóquio, por João Carlos Salles (UFBA).

Conferência de abertura: “Contraponto Heidegger Wittgenstein”, por José Arthur Giannotti (USP/CEBRAP).

Palestras
(De 09 a 13 de agosto, em turnos de 9 às 12 e de 14 às 17hs. Início na tarde de 09 de agosto):

“A poética, de Aristóteles”, por Sílvia Faustino de Assis Saes (UFBA).
“A brevidade da vida, de Sêneca”, por Marina Cavicchioli (UFBA).
“O mestre, de Agostinho”, por Eduardo Chagas Oliveira (UEFS).
“Ente e essência, de Tomás de Aquino”, por Márcio Damin Custódio (UFBA).
“Sermões alemães, de Mestre Eckhart”, por Nancy Mangabeira Unger (UFBA).
“Mensageiro das estrelas, de Galileu”, por Júlio Celso Ribeiro de Vasconcelos (UEFS).
“Tratado das sensações, de Condillac”, por Carlota Ibertis (UFBa).
“O conflito das faculdades, de Kant”, por Daniel Tourinho Peres (UFBA).
“A democracia na América, de Tocqueville”, por Paulo Fábio Dantas Neto (UFBA).
“A origem das espécies, de Darwin”, por Charbel El-Hani (UFBA).
“A origem da família, da propriedade privada e do estado, de Engels”, por Mauro Castelo Branco de Moura (UFBA).
“Os chistes e sua relação com o inconsciente, de Freud”, por Sérgio Fernandes (UFRB).
“O mal-estar na civilização, de Freud”, por Angélia Teixeira (UFBA).
“Teoria atômica e a descrição da natureza, de Niels Bohr”, por Olival Freire Jr. (UFBA).
“Ser e ter, de Gabriel Marcel”, por Luciano Costa Santos (UNEB).
“A vontade de saber, de Foucault”, por Ricardo Calheiros Pereira (UFBA).
“O princípio responsabilidade, de Hans Jonas”, por Lourenço Leite (UFBA).
“A transfiguração do lugar comum, de Arthur Danto”, por Rosa Gabriella Castro Gonçalves (UFBA).
“O eu despertado, de Roberto M. Unger”, por José Crisóstomo de Souza (UFBA).

Inscrições e informações: de 16 de junho a 09 de agosto de 2010, das 8:30 às 12:30 horas, na Secretaria da FFCH, em São Lázaro. Tel. 3283.6431

Certificados do III Seminário Preconceito na Fala, Preconceito na Cor

Os certificados do III Seminário Preconceito na Fala, Preconceito na Cor estarão disponíveis nos dias 18 de junho (pela manhã), 21 e 22 de junho (pela manhã) na biblioteca da UCSAL - Lapa - Salvador.
Os certificados serão entregues mediante a assinatura do portador.
Até lá!